Buscando as origens do Sítio São João
- Flauber Barros Leira
- 5 de jun. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de jun. de 2019
Esta semana me deparei com a transcrição da escritura de doação para o patrimônio da antiga Vila Real de São João do Cariri, feita por José Leal[1]. A escritura é datada de 3 de maio de 1803, feita numa época em que para que fossem constituídas as vilas, era necessário que houvesse uma doação de terras para o seu patrimônio. Antes das minhas observações, vamos a transcrição, grifos nossos:
“Saibam quantos este público instrumento de escritura de doação ou como em direito para sua validade melhor nome e lugar haja e dizer possa, que sendo no ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e três do mês de maio do dito ano, nesta povoação de Nossa Senhora dos Milagres do Cariri de Fora, Comarca da cidade de Paraíba do Norte, em o escritório de mim Tabelião ao adiante nomeado e sendo aí apareceu o Sargento-mór José Francisco Alves Pequeno, branco, solteiro e de mim tabelião reconhecido pelo próprio de que se trata, dou fé. E por ele me foi dito em minha presença e das testemunhas adiante enumeradas e assinadas, que ele era senhor e possuidor de uma parte de terras citas na compreensão da Fazenda Açude, nesta povoação, e que as houvera por compra de escritura Pública ao Alferes Serafim Lins do Sacramento e de sua mulher, das quais terras de sua própria e livre vontade e sem constrangimento de pessoa alguma, fazia doação e de fato doado tinha, para o patrimônio da Câmara da Nova Vila Real de S. João, que se há de erigir. Na mesma forma que possuía com a condição, porém que ele doador poderá ter sua casa nesta povoação, que se há de erigir em Vila, sem que pague fôro, ou pensão alguma do chão da mesma, por si e seus herdeiros, cuja parte de terras tem ele doador senhorado e empossando-se desta povoação ate Água Doce, por si e seus antes possuidores, e é, desde a barra do riacho denominado Namorado, pelo rio acima em até contestar, com terras do Pau a Pique, com seus fundos para a parte do Norte, compreendendo com Água Doce, até intestar com terras da Fazenda Caifaz e, pela do Nascente, com outros herdeiros no mesmo Açude, extremando mais, pela parte Sul, com o rio da mesma povoação, a qual sorte de terra assim contestada da mesma forma que ele dito doador possuía, disse que as dava e delas faria doação a sobredita Câmara para patrimônio.”
A escritura de doação é datada de 3 de maio de 1803, sendo esta, preparada antes de sua instalação que ocorreu dois dias depois, no dia 5 de maio, contando com a presença do Ouvidor da Comarca em sua cerimônia de instalação. Acordo José Leal no seu Itinerário Histórico da Paraíba, informa que houve uma carta-régia datada de 22 de março de 1800 elevando o povoado de Cariri Velho, ex-Travessia para Vila Real de São João. Destes documentos citados, ainda não encontramos o paradeiro dos originais ou mesmo suas cópias. De certo que estes documentos contribuiríam em muito para que fosse mantida a memória da povoação, contando a história de um povo e seus trabalhos no passado para que se tornasse uma cidade.
Se queremos remontar às origens da cidade, uma boa pista seria buscar os registros de propriedades de terras e posteriormente as cartas de sesmarias emitidas para a região, forma de como eram obtidas as terras devolutas para criação de gados e agricultura concedidas na Paraíba até o ano de 1815.
A transcrição também aponta para 2 indivíduos que eram os donos daquelas paragens, o doador das terras para a instalação da vila – o Sargento mór José Francisco Alves Pequeno, filho do pioneiro português Luis Alves Pequeno, oriundo da Freguesia de São Salvador de Nuzedo, Chaves em Braga, e o Alferes Serafim Luis do Sacramento. Alguns dos seus descendentes ainda podem ser encontrados pelos Cariris, sendo nosso amigo de longa data – Prof. José de Sousa Pequeno Filho, Presidente do Instituto Histórico Geográfico de Serra Branca, um dos descendentes conhecidos do Sargento mór José Francisco Alves Pequeno.
O documento diz ainda de quem Alves Pequeno tinha comprado suas terras; o Alferes Serafim Luis do Sacramento e sua mulher, que identificamos através da leitura dos livros de crismas e batismos da paróquia de Nossa Senhora dos Milagres como Jacinta Alvares (Alves) da Silva, natural de Boa Vista de Recife, filha do casal João Rois da Silva e Joana Alvares (Alves) da Siqueira, ambos naturais do mesmo lugar; Boa Vista de Recife. O Alferes Serafim, seu marido, era natural dos Cariris de Fora e um dos filhos do casal; Francisco Luis de Gouveia, natural da Ilha da Madeira e sua esposa brasileira Hermogina Vieira de Matos, natural de Recife.
A grande chave para a pesquisa das origens da cidade parece ocultar-se neste ponto, encontrar a carta de sesmarias e ou registro de propriedade em nome destes acima citados, e possível que encontremos as verdadeira carta de sesmarias e até a confirmação de alguma informação já existente, com o nome ou os nomes dos fundadores da cidade, que vão além das teorias já expostas como a sesmaria[2] do pernambucano Custódio Alves Martins, já explorada por grandes historiadores como Irineu Joffily, João de Lira Tavares, José Leal, além de outros.
Ainda temos esperança de poder ter acesso a estes documentos, tanto o que José Leal teve a honra de ter em suas mãos para transcrevê-lo, assim como os já mencionados; a carta-régia de elevação e o documento feito na ocasião data do dia de sua instalação. Documentos que merecem ter o nosso respeito de tê-los digitalizados profissionalmente, transcritos, ensinados nas escolas e publicados com o orgulho que todo caririzeiro que respeita e cuida de sua história possui.

Nota: Acima, eis a versão transcrita da carta de sesmarias de Custódio Alves Martins, por Irineu Joffily, encontrada em seu jornal Gazeta do Sertão, noticiada primeiramente à 28 de junho de 1889 e também publicada posteriormente em seu trabalho Sinopses das Sesmarias, existe uma outra versão no trabalho de João de Lira Tavares - Apontamentos para a história territorial da Paraíba, na página 40. Não encontramos o documento original ainda, que certamente conta com a carta na íntegra. Ela foi a causa da crença na teoria de que explicasse as origens do antigo São João, que é refutada por alguns hoje em dia.
[1] José Leal, Vale de Travessia, 2ª edição, Campina Grande, 1993
[2] Gazeta do Sertão, Campina Grande, nº 27 de 28 de junho de 1889 e Irineu Joffily, Synopsis de Sesmarias, número 19, páginas 13 e 14.
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